Acabei de receber a
confirmação da participação de uma avó no Curso Shantala em grupo no próximo
sábado!
Que delícia que é receber
carinho de avó!
Essa inscrição trouxe a
minha memória uma crônica linda da Rachel de Queiróz chamada: - A Arte de Ser
Avó!
Netos são como
heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente
lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as
penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade.
E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é
realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo.
Quarenta anos, quarenta e
cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais
depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem
as suas alegrias, as suas compensações — todos dizem isto embora você pessoalmente,
ainda não as tenha descoberto — mas acredita.
Todavia, também
obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia
da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige
essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu
sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço.
Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meus Deus, para
onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são
seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações,
você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e
mulheres - não são mais aqueles que você recorda.
E então um belo dia, sem que
lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe
nos braços um menino. Completamente grátis — aquela criancinha da sua raça, da
qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois
aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que lhe é
"devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito
de o amar com extravagância; ao contrário causaria escândalo e decepção se você
não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se
acumulava, desdenhado, no seu coração.
Sim, tenho certeza que a
vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela
velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar
vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de
que os netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade
produzem mais lágrimas do que enlevos.
No entanto — no entanto! —
nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a
grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por
isso de ser mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente ensine o menino
a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que
de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas,
nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições
respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito
semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas
as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de
comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da
rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
Já a avó, não tem direitos
legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa.
Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha
nunca". Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica.
É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de
opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia.
Uma noite passada em sua
casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá
não há linha divisória entre o proibido e o permitido. Dormir sem lavar as
mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café — café! — mexer no armário
da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a
água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser e até fingir
que está discando o telefone. Riscar a parece com o lápis dizendo que foi sem
querer — e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir
para os braços da avó e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da
educação moderna.
Sabe-se que, no reino dos
céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém
esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o
seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito
de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das
outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do
seu maravilhoso neto.
E quando você vai embalar o
menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz:
"Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.
E o misterioso entendimento
que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você,
sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua
incondicional cumplicidade...
Até as coisas negativas se
viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação
que se quebrou porque o menininho — involuntariamente! — bateu com a bola nele.
Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos
na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois, o
sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi
a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é
relíquia: não tem dinheiro que pague.
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